O uso de plantas medicinais é um recurso popular para alívio de sintomas, tratamento e cura de enfermidades, principalmente no caso de doenças e agravos não transmissíveis. Com registro de aplicação na China há 5 mil anos, a prática é amplamente utilizada por parte da população mundial como solução alternativa para o alívio de problemas de saúde. A dificuldade que muitas comunidades têm de adquirir medicamentos alopáticos ou atendimento médico também estimula para que os ensinamentos dos antepassados sejam seguidos até hoje, e as pesquisas científicas colaboram para a propagação dos benefícios por meio da demonstração de eficácia, segurança e mecanismo de ação de moléculas presentes nessas espécies. Utilizadas sozinhas ou em associação com medicamentos sintéticos e outras terapias, as plantas medicinais favorecem, inclusive, a retirada de algum remédio da prescrição médica, como os ansiolíticos, por atuarem sinergicamente. Além disso, podem ser utilizadas como terapia preferencial para doenças de baixa gravidade que não possuem opção sintética disponível.
Dentro do universo fitoterápico, há uma grande diversidade de plantas que são utilizadas como prevenção e combate a enfermidades do trato gastrointestinal, como úlcera e gastrite. E, em muitos casos, as plantas com propriedades curativas são as principais alternativas para o tratamento desses distúrbios em comunidades por todo o mundo, incluindo o Brasil, sobretudo na zona rural – carente de recursos médicos. Muitas dessas espécies possuem efeitos cicatrizante, anti-inflamatório, digestivo e neutralizador de acidez. O boldo, por exemplo, é conhecido milenarmente por ajudar nos problemas no fígado, na vesícula e no pâncreas. “A semente de sucupira tem atividade anti-inflamatória e potencial cicatrizante, assim como a erva de bugre. O cordão de frade também é bastante utilizado como anti-inflamatório. Para azia, no Sul do Brasil usa-se a folha de guanxuma. Sou daquela região e adquiri esse conhecimento com o meu avô”, exemplifica o bioquímico e farmacêutico Marcio Trevisan, pesquisador do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciências do Ambiente da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
A colite ulcerativa é foco dos pesquisadores do Laboratório de Farmacologia do Trato Gastrointestinal e Dor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que estudam a Acmella oleracea, planta nativa do Brasil e conhecida como jambu, cuja flor é mascada pela população para alívio da dor de dente. Por causa dos polissacarídeos, a espécie tem um efeito gastroprotetor que levou os pesquisadores a analisar os benefícios em modelos animais com a doença. “Observamos melhora da colite, prevenindo o encurtamento do cólon e diminuindo a quantidade de sangue presente nas fezes e a diarreia. O mais interessante é que os estudos in vitro em células humanas mostraram a atividade imunomoduladora dos polissacarídeos na resposta inflamatória, melhorando a inflamação e a barreira intestinal, e evitando a entrada de bactérias patogênicas e a disbiose intestinal”, detalha a pesquisadora Maria Fernanda de Paula Werner, professora doutora do Departamento de Farmacologia, membro do Programa de Pós-graduação em Farmacologia e coordenadora do Laboratório de Farmacologia do Trato Gastrointestinal e Dor da UFPR.
A pesquisadora acrescenta que há chás capazes de proteger o estômago contra úlcera e gastrite, e alguns podem até ter efeito semelhante ao medicamento alopático Omeprazol – um dos mais utilizados –, como a espinheira santa, mas, sem os efeitos colaterais adversos do remédio. Recentemente, o grupo da UFPR realizou um estudo com uma suculenta chamada Sedum dendroideum, conhecida como bálsamo, que tem indicação para tratar problemas gastrointestinais. “A planta ornamental também é utilizada em saladas, sucos ou infusões. Optamos pelo infuso das folhas por conta do sabor e demonstramos a alta eficácia em relação à gastroproteção, sem alterar a secreção ácida gástrica”, detalha a professora Maria Fernanda de Paula Werner.
A atividade antiulcerogênica de diferentes espécies despertou interesse em trabalhos desenvolvidos nos últimos anos. “Com o estudo ‘Atividade gastroprotetora e efeito sobre a função motora gástrica de ratas das folhas de Arctium lappa L.’, demonstramos o potencial terapêutico da planta, popularmente conhecida como bardana, na prevenção e cicatrização de úlceras gástricas em condições normais e aumentadas de glicemia, além de favorecer as alterações da motilidade gástrica em ratas diabéticas”, pontua a farmacêutica Luísa Mota da Silva, professora doutora do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), bolsista de Produtividade em Pesquisa e líder do Grupo de Pesquisa no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de Avaliação Biológica de Produtos Naturais e Sintéticos.
No experimento ‘Ação de extratos de plantas medicinais sobre a motilidade do trato gastrointestinal’, realizado na UFPR, os pesquisadores observaram os benefícios de três plantas para melhorar o trânsito intestinal: extrato de Persea major Kopp, cujo nome popular é pau de Andrade ou abacateiro do mato; Piper mollicomum Kunth, conhecida como jaborandi; e Serjania erecta Radlk, chamada de cinco-folhas. O resultado mostrou que os extratos do abacateiro do mato e do jaborandi aumentaram o trânsito intestinal, sendo que o primeiro também aumentou o esvaziamento gástrico, e o cinco-folhas não alterou a motilidade gastrointestinal.